“Maio” – as intenções de derrube

 

    O baby boom do pós-guerra determina, nos anos 60, a existência no mundo ocidental de um excedente de jovens. Em 1968, duplica o número de estudantes em França, quer em letras, quer em sociologia, os jovens estudantes temem não encontrar trabalho no fim dos cursos. Por todo o mundo vivia-se também um clima de romantismo revolucionário, bebia-se por toda a parte ideias de revolução, provenientes de ícones como Che Guevara, Mao Tse-Tung ou Trotsky, que incentivavam as populações a lutarem pela mudança, a lutarem por uma viragem nas suas sociedades, abolindo as injustiças sociais e as limitações do passado.

Em França, os jovens começam por reivindicar os métodos tradicionais e “caducos” o sistema universitário, considerado pilar da sociedade “burguesa”; os jovens iniciam a contestação pelo sistema educativo, mas não se limitando a este, tendo em conta que este sistema “caduco” era fruto de toda uma política e sociedade retrógradas, ao contestarem este sistema; os jovens reivindicam todo o organismo político e social em que vivam, iniciam a luta nas universidades, mas esta luta extravasou os muros das mesmas, reivindicando toda uma sociedade de consumo e bem-estar. 

 

    A 22 de Março, os estudantes ocupam as instalações da universidade de Nanterre,( criada em 1963, para descongestionar a Sorbonne). Esta encontrava-se localizada e isolada nos subúrbios de Paris perto de um bairro degradado, facto ilustrativo e exemplar perfeito de injustiças sociais. É lá que a extrema-esquerda se une e desenvolve, encabeçada por Daniel Cohn-benit “o ruivo” como assim era chamado pela sua cor de cabelo e por fazer parte dos “vermelhos” era estudante de sociologia em Nanterre. Este vai liderar o movimento que irá reclamar a destruição do sistema universitário retrógrado, denunciando a falta de condições das universidades, onde professores e as instalações escasseavam face ao boom de inscrições, onde o método de ensino vertical (professor-aluno) se mostrava antiquado e insuficiente, lutando pelo modernismo deste mesmo método, para um método de ensino mais horizontal de intercâmbio de informação e experiências entre professor e aluno, deixando o professor de ser visto com autoridade incontestável. Para além de contestarem o “sistema”, paralelamente clamavam também contra a Guerra do Vietname, o imperialismo americano e totalitarismo soviético. No fundo reclamavam os valores de igualdade social, o corte com todo o tradicional e todos os seus “valores” pré-definidos e politicamente correctos.

    A polícia intervêm nesta ocupação da universidade de Nanterre, prendendo cerca de 500 estudantes e, importunando outros tantos, o clima de confronto é instalado tornando o seu ponto máximo de conflitualidade a 2 de Maio, quando as autoridades universitárias ripostaram ao movimento estudantil que tinha invadido Nanterre, fechando a universidade, segundo as ordens de Fouchet, ministro do interior.

    Podemos considerar este facto ou acontecimento do encerramento das universidades Nanterre e Sorbonne, como uma contra ofensiva por parte do Governo Gaullista ao movimento contestatário dos jovens, tentando com isso acalmar ou abater a revolução; mas foi precisamente o contrário que aconteceu, estes jovens revoltosos não “arrumaram a trocha” como se esperava, pelo contrário, o conflito entre a ordem e os jovens tomou outras proporções para além dos muros das universidades, o palco das contestações mudava agora de palco, passando o epicentro do conflito para o Quartien Lutin (rua junto a Sorbonne).

 

    O conflito alastrou-se a partir deste acontecimento, em numerosas manifestações de rua, tanto na capital como na província. Paris tornava-se um palco de guerra, subiu de tensão desembocando na noite de 10 para 11 de Maio, violentíssimos confrontos: no Quartien Latin são construídas barricadas, deitam-se árvores por terra e reúnem-se automóveis também, como forma de resistir às forças policiais.

    Os agentes da autoridade reagem com violência às pedras e aos cocktails molotov dos estudantes, espancando-os, e até enfermeiros e donos de estabelecimentos foram atacados (locais onde os estudantes tinham procurado refúgio).

    Os media sensibilizaram a opinião publica pelos relatos feitos em directo, através de cartazes e panfletos, dando curso a uma expulsão escrita do movimento ilustrando em capas de jornais, em programas televisivos, as imagens em directo do movimento e as palavras de ordem do mesmo, que simbolizavam o que estes jovens davam como exemplo: “é proibido proibir!”; “todos ensinam, todos aprendem”- critica da sociedade e da cultura clássica consideradas burguesas, “ ninguém se apaixona por uma taxa de crescimento de 5%” – recusa da ditadura da economia; “ Dez anos já chegam!”. Contestação ao poder do General De Gaulle; palavras de ordem de apelo á solidariedade como: “libertem os nossos camaradas” “estudantes, professores, trabalhadores, solidários”, tudo isto misturado com utopia: “a imaginação ao poder”, “também os vossos desejos por realidades”. 

 

    Estas palavras de ordem, anexadas aos relatos e imagens em directo, fazem com que a opinião publica na sua maioria se mostra solidária e sensibilizada com o mundo estudantil; é então que a 13 de Maio, as organizações de estudantes e professores e os sindicatos operários uniram-se e levaram a cabo uma grandiosa manifestação. Segundo os organizadores da manifestação, esta junta apenas “o descontentamento social de Paris”, estudantes reivindicam mudanças nas bases de toda uma sociedade e operários lutam por um melhoramento contra as condições de trabalho. A luta por uma sociedade igualitária torna-se agora mais forte, os movimentos estudantis, os movimentos do operariado e feministas juntam-se pela sede de mudança, característica de 60.

    A 20 de Maio juntaram-se seis milhões de grevistas ao regressar da Roménia, o General De Gaulle depara-se com o país no caos: as faculdades animadas por acessos debates revolucionários e consecutivas greves que tinham quase paralisado a França.

    No dia 24 de Maio De Gaulle aparece na televisão dirigindo um desesperado apelo à nação, anunciando eleições legislativas e um referendo para o mês seguinte. Seguido este anúncio, dá-se uma reunião entre o governo, a principal organização patronal, e os sindicatos, onde fica acordada a subida do salário mínimo em 10%, e foi reconhecida a secção sindical.

    Estes acordos entre os operários da Renault e o governo fazem vacilar a esquerda; o facto de o general admitir que o ensino necessitaria de reformas para se inserir na época moderna; o desejo dos franceses em voltar a normalidade após um mês de agitação e loucura, fazem arrefecer a tensão revoltosa de Maio, que vê o seu esgotamento após as eleições de Junho em que se vê a reafirmação triunfal do movimento político Gaullista (U.D.R) com a abstenção de 47% dos votos e de dois terços dos assentos parlamentares e a paralela derrota da esquerda.

    Com o regresso da normalidade o Maio francês entra no museu das recordações, no entanto este movimento alcançou algumas mudanças, no ponto de vista dos valores e das mentalidades, que tolhia a sociedade francesa, e ficou para a história como o movimento que mudou as mentalidades das gerações seguintes.

    O Maio de 68 marcou o corte com muitos os valores tradicionais, e afirmou outros, sendo a igualdade entre os homens e mulheres o mais afirmado. Podemos afirmar que foi em Maio de 68 que se construíram muitas das bases das nossas sociedades actuais.